segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A origem da Filosofia a partir dos mitos gregos.

Mircea Eliade, em sua obra “História das Crenças e das Idéias Religiosas” nos dá uma boa indicação do porque do desenvolvimento da filosofia na Antiga Grécia. Segundo Eliade, a religião grega sempre foi um politeísmo, no qual os deuses tinham comportamento parecido aos dos homens; os mesmos desejos, impulsos e emoções, com a diferença de que eram imortais. A religião grega, pelas suas características, nunca chegou a ser uma religião estritamente normativa e ligada a um povo específico (os gregos também dividiam muitos deuses com outros povos), como o foram a religião egípcia e a judaica.
Os gregos nunca tiveram um Livro dos Mortos ou um Decálogo. Todavia, os relatos dos bardos – entre eles os mais famosos Homero e Hesíodo – influenciaram a cultura grega da mesma forma. Não através da criação de leis, impedimentos e sanções, mas através de exemplos da vida dos deuses e dos heróis, a Paidéia, que foram incorporados à cultura grega – da poesia às tragédias, da escultura à filosofia. O historiador Werner Jaeger escreve: “O testemunho mais remoto da antiga cultura aristocrática helênica é Homero, se com esse nome designamos as duas epopéias: a Ilíada e a Odisséia. Para nós, é ao mesmo tempo a fonte histórica da vida daqueles dias e a expressão poética imutável de seus ideais” (Jaeger, 2003). Referindo-se a Hesíodo, Jaeger escreve: “O poema de Hesíodo permite-nos conhecer com clareza o tesouro espiritual que os camponeses beócios possuíam, independentemente de Homero. Na grande massa das sagas da Teogonia encontramos muitos temas antiqüíssimos, já conhecidos de Homero, mas também muitos outros que nele não apareceram.” (Jaeger, 2003). Este o arcabouço cultural da Antiga Grécia. As narrações dos dois poetas eram transmitidas de uma geração à outra, terminando por serem fixadas por escrito em torno do século VIII a.C.
Por volta do século VIII a.C. a população na península grega começa a crescer, forma-se as cidades-Estado e aumenta o comércio ultramarino. Estabelecem-se as primeiras colônias de mercadores gregos na Jônia – região hoje ocupada pela Turquia – e na Magna Grécia, a Eléia – região onde hoje se o sul da Itália.
O comércio a agricultura, a navegação, a construção de canais e de pontes, o contato com outros povos, fizeram com que se formasse nestas colônias gregas uma elite intelectual e econômica, que dominava os mais importantes conhecimentos da época: matemática, astronomia, geometria, línguas estrangeiras, escrita e religiões de outros povos.
No plano intelectual, toda esta vasta gama de conhecimentos fez com que jônios e eleatas passassem a encarar o universo de uma maneira diferente. No plano religioso, ainda conheciam as narrativas míticas de Homero e Hesíodo, as registravam e passavam para as gerações posteriores. Mas aos poucos, estas narrativas foram perdendo seu caráter mítico-religioso e mantiveram apenas sua função política de manutenção das tradições cívicas e das instituições das cidades-Estado.
Dentre esta elite altamente intelectualizada da Jônia e da Eléia, com acesso a todas as novas idéias que circulavam na região do Mediterrâneo à época (já que viviam em cidades cosmopolitas ligadas ao comércio) surge um novo grupo de homens: os filósofos. Estes foram os primeiros a não se utilizarem mais do mito para explicar o mundo e seu surgimento, representando provavelmente o primeiro movimento de laicização da cosmogonia, de tentativa de explicação da origem do universo através de meios racionais – evidentemente limitados pelos conhecimentos práticos (científicos?) da época. Estes pensadores, mais tarde conhecidos como pré-socráticos, apresentaram diversas hipóteses para apontar o elemento do qual todo o universo é constituído. As hipóteses variavam da água (Thales de Mileto na Jônia, considerado o primeiro filósofo), para o infinito (Anaximandro de Mileto, introdutor da filosofia na Grécia continental), até os números (Pitágoras de Samos, filósofo da escola eleata).
Todos os pensadores pré-socráticos tentam explicar o fundamento último do universo e, em termos atuais, poderiam também ser chamados de primeiros cientistas. Fato mais importante neste estudo é ressaltar a importância do surgimento da filosofia, como primeira tentativa de explicar o mundo à parte do posicionamento definitivo e por vezes impositivo das religiões. Aí, neste momento, tem origem a filosofia e todas as ciências que surgiram posteriormente.
Os pensadores pré-socráticos – e mesmo pensadores posteriores – não estão definitivamente livres do mito. Em sua linguagem e na construção de suas idéias ainda são utilizados termos oriundos do pensamento mítico. Em muitos relatos ainda há aparição de deuses (a deusa que aparece a Parmênides) ou referência a eles.

Diferença entre mito e filosofia
O mito é um relato que oferece uma explicação definitiva; o mito não precisa de justificativa. Ao contrário, é o mito que justifica uma sociedade, uma cultura, um costume, como vimos acima.
Da maneira como é elaborado, o mito não é para ser criticado ou discutido. Da mesma forma, ele não precisa ser apresentado através de argumentações – ele simplesmente é comunicado à comunidade por aqueles que se consideram os arautos das Musas ou dos Deuses. Vale aqui lembrar que quando uma religião se apropria do mito; este fica sujeito à crítica e precisa apresentar justificativas.
Como exemplo perfeito disto tome-se o mito da Criação e de Adão e Eva. O relato é mais antigo do que o judaísmo. Daí foi incorporado na religião e desde então precisa justificar­se, já que faz parte de um "plano" efetivo de Deus para com a humanidade, segundo o discurso religioso.
A filosofia é uma narrativa que não oferece uma explicação definitiva, já que a discussão é própria da filosofia. Existem sistemas filosóficos que se pretendiam definitivos; que pretendiam oferecer uma explicação definitiva da realidade. Talvez seja por isso que quase se transformaram em seitas.
Outro aspecto é que a filosofia sempre precisa se justificar. O próprio ato de filosofar já implica a apresentação de uma justificativa daquilo que vai ser dito. Por ser um processo baseado na experiência e/ou no raciocínio lógico, a filosofia sempre está sujeita a criticas.

sábado, 16 de outubro de 2010

DESABAFO DE UM PROFESSOR.

Diz uma história que numa cidade apareceu um circo, e que entre seus artistas havia um palhaço com o poder de divertir, sem medida, todas as pessoas da platéia e o riso era tão bom, tão profundo e natural que se tornou terapêutico. Todos os que padeciam de tristezas agudas ou crônicas eram indicados pelo médico do lugar para que assistissem ao tal artista que possuía o dom de eliminar angústias.

Um dia, porém, um morador desconhecido, tomado de profunda depressão, procurou o doutor. O médico então, sem relutar, indicou o circo como o lugar de cura de todos os males daquela natureza, de abrandamento de todas as dores da alma, de iluminação de todos os cantos escuros do nosso jeito perdido de ser.

O homem nada disse, levantou-se, caminhou em direção à porta, e quando já estava saindo, virou-se, olhou o médico nos olhos, e sentenciou:

- "Não posso procurar o circo... Aí está o meu problema: eu sou o palhaço".


Como professor, vejo que, às vezes, sou esse palhaço, alguém que trabalhou para construir os outros e não vê resultado muito claro daquilo que faz. Tenho a impressão que ensino no vazio (e sei que não estou só nesse sentimento) porque, depois de formados, meus ex-alunos parecem que se acostumam rapidamente com aquele mundo de iniqüidades que combatíamos juntos.

Parece que quando meus meninos(as) caem no mercado de trabalho, a única coisa que importa é quanto cada um vai lucrar, não importando quem vai pagar essa conta e nem se alguém vai ser lesado nesse processo. Aprenderam rindo, mas não querem passar o riso à frente, e nem se comovem com o choro alheio.

Digo isso, até em tom de desabafo, porque vejo que cada dia mais meus alunos se gabam de desonestidades. Os que passam os outros para trás são heróis e os que protestam são otários, idiotas ou excluídos, é uma total inversão dos valores.

Vejo que alguns professores partilham das mesmas idéias, e as defendem em sala de aula e na sala de professores, e se vangloriam disso. Essa idéia vem me assustando cada vez mais, desde que repreendi, numa conversa com alunos, o comportamento do cantor Zeca Pagodinho, no episódio da guerra das cervejas e quase todos disseram que o cantor estava certo, tontos foram os que confiaram nele.

"O importante professor é que o cara embolsou milhões", disse-me um; outro: "daqui a pouco ninguém lembra mais, no Brasil é assim, e ele vai continuar sendo o Zeca, só que um pouco mais rico". Todos se entreolharam e riram, só eu, bobo que sou, fiquei sem graça. O pior é quando a gente se dá conta que no Brasil é assim mesmo, o que vale é a Lei de Gérson: "o importante é levar vantagem em tudo".

A pergunta é: É possível, pela lógica, que todo mundo ganhe? Para alguém ganhar é óbvio que alguém tem de perder.

A lógica é:

. Guardar o troco a mais recebido no caixa do supermercado

. Enrolar a aula fingindo que a matéria está sendo dada

. Fingir que a apostila está aberta na matéria dada, mas usá-la como apoio enquanto se joga forca, batalha naval ou jogo da velha

. Dizer que leu o livro, quando ficou só no resumo ou na conversa com quem leu

. Cortar a fila do cinema ou da entrada do show

. Marcar só o gabarito na prova em branco, copiado do vizinho, alegando que fez as contas de cabeça

. Comprar na feira uma dúzia de quinze laranjas

. Brigar para baixar o preço mínimo das refeições nos restaurantes universitários, para sobrar mais dinheiro para a cerveja da tarde

. Bater num carro parado e sair rápido antes que alguém perceba

. Arrancar as páginas ou escrever nos livros das bibliotecas públicas

. Arrancar placas de trânsito e colocá-las de enfeite no quarto

. Fraudar propaganda política mostrando realizações que nunca foram feitas

. Trocar o voto por empregos, pares de sapato ou cestas básicas


É a lógica da perpetuação da burrice... E não adianta pensar que logo bateremos no fundo do poço, porque o poço não tem fundo.

Quando um país perde, todo mundo perde! Parafraseando Schopenhauer: "Não há nada tão desgraçado na vida da gente que ainda não possa ficar pior".

Se os desonestos brasileiros voassem, nós nunca veríamos o sol.

Felizmente há os descontentes, os lutadores, os sonhadores, os que querem manter o sol aceso, brilhando e no alto. No entanto, de nada adianta o conhecimento sem o caráter. A luz é, e sempre foi, a metáfora da inteligência.

Que nas escolas seja tão importante ensinar Literatura, Matemática ou História quanto decência, senso de coletividade, coleguismo e respeito por si e pelos outros.

Acho que o mundo (e, sobretudo, o Brasil) precisa mais de gente honesta do que de literatos, historiadores ou matemáticos. Ou o Brasil encontra e defende esses valores e abomina Zecas, Gérsons, Dirceus, Dudas e todos os marketeiros que chamam desonestidades flagrantes de espertezas técnicas, ou o Brasil passa de país do futuro para país do só furo.

De um Presidente da República espera-se mais do que choro e condecoração a garis honestos, espera-se honestidade em forma de trabalho e transparência.

De professores, espera-se mais que discurso de bons modos, espera-se que mereçam o salário que ganham (pouco ou muito) agindo como quem é honesto.

Quem plantar joio, jamais colherá trigo. A honestidade não precisa de propaganda, nem de homenagens, precisa de exemplos.

Quando reflexões assim são feitas, cada um de nós se sente o palhaço perdido no palco das ilusões. A gente se sente vendendo o que não pode viver, não porque não mereça, mas porque não há ambiente para isso.

Quando seria de se esperar uma vaia coletiva pelo tombo, pelo golpe dado na decência, na coerência, na credibilidade, no senso de respeito, vemos a população em coro delirante gritando "bis" e, como todos sabemos, um bis não se despreza.

Então, uma pirueta, duas piruetas, bravo! bravo! E vamos todos rindo e afinando o coro do "se eu livrar a minha cara o resto que se dane".

Enquanto isso, o Brasil de irmã Dulce, de Manuel Bandeira, do Betinho, de Clarice Lispector, de Chiquinha Gonzaga e de muitos outros heróis anônimos que diminuíram a dor desse país com a sua obra, levanta-se, caminha em silêncio até a porta, vira-se e diz:
"Esse é o problema... Eu sou o palhaço".


. Este texto é atribuído ao Profº Naylor Marques