sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A Devoração Da Esperança No Próximo.

Filosofia – 7º ano. O episódio ocorreu num dos grandes hospitais psiquiátricos do Rio. Uma cliente, pessoa simples, com baixo nível de escolarização e tida como louca, falava de sua vida em família. Dizia que um irmão tinha sido preso por tráfico de drogas e outro, morto pela polícia. Um dos terapeutas perguntou-lhe por que seu irmão havia sido morto. Ela respondeu: "Porque eles (os policiais) não gostam de gente"! De vez em quando é preciso dar ouvidos à desrazão. A onda de violência que vivemos hoje deve-se a incontáveis motivos. Um deles parece-me especialmente virulento: o desinvestimento cultural na idéia do "próximo". Muitos historiadores, filósofos e cientistas políticos referem-se ao "nascimento do próximo" como um evento particular ao Ocidente. Nem sempre o outro foi visto como próximo, ou seja, como alguém que, pelo simples fato de ser humano, é aceito como "um de nós". Este fato cultural surgiu com o cristianismo, prosseguiu no Renascimento, ganhou realidade político-jurídica nas Revoluções Americana e Francesa e continuou presente nos projetos liberal-democrático e socialista dos séculos 19 e 20. Assim, na atualidade, habituamo-nos a ver em qualquer humano um semelhante e esquecemos que esta crença nem sempre foi intuitiva e imediata. Historicamente, o "amai-vos uns aos outros" não se impôs pelo exemplo de doçura, bondade e entrega de Jesus de Nazaré, de alguns de seus discípulos ou primeiros mártires. Aprendemos a ver no outro "um próximo" pela força das armas; pelas fogueiras da inquisição; pela perseguição aos inimigos políticos; pelo degredo, prisão, assassinato ou extermínio em massa dos infiéis, hereges, dissidentes e desviantes. Quando as revoluções democrático-burguesas aconteceram, grande parte das elites ocidentais estava preparada para tomar como natural e desejável a idéia de que todos fôssemos livres, iguais e fraternos. O respeito pela vida e a certeza de que o outro é um parceiro virtual na realização de nossas aspirações afetivas ou na construção de uma sociedade mais justa tornaram-se premissas práticas, inconscientes e pré-reflexivas, de nossas crenças morais. Mas, para que a recomendação do amor ao próximo fosse psicologicamente viável, a cultura ocidental fez da identidade do sujeito moderno espelho da contradição entre os ideais e a realidade. Buscando conciliar a industrialização, o capitalismo ou o imperialismo com a mínima moral democrática, as elites criaram um indivíduo cujo aprendizado da cidadania fundou-se em dois pilares centrais: a disciplina do trabalho e a disciplina da família. Na disciplina do trabalho, ele aprendia que seu esforço era nobre, pois produzia riquezas, e sua recompensa era a elevação do nível de vida material; na disciplina da família, aprendia a procriar corretamente, tendo em troca as promessas do sexo seguro e o direito de amar conforme a fantasia do amor-paixão romântico. Este amante bem-educado, bom trabalhador e bom pai de família foi à retranca privada que garantiu, por longo tempo, o semblante de harmonia do espaço público. Sua imagem era o emblema da civilização e dos bons costumes e, em seu nome, preconceitos, dominação e espoliação econômico-cultural de pessoas, classes ou povos submetidos foram interpretados e justificados como "ocorrências parasitárias"; "desvios de percurso"; "etapas infelizes, mas necessárias" rumo ao paraíso burguês na terra. A receita funcionou até que o progresso técnico e a sede de lucros mostraram que a "dignidade do trabalho" durou enquanto foi útil. Do mesmo modo, a moral familiar sucumbiu à moral do consumo, à saturação sexual da intimidade e às manifestações sociais dos discriminados, sob a forma de políticas das minorias ou políticas identitárias. De repente, as elites deram-se conta de que o universo patriarcal burguês desabara. Homens e mulheres já não se entendem sobre "o que é o feminino" e "o que é o masculino"; pais e filhos já não sabem mais "o que é paternidade" e "o que é filiação"; adultos e crianças perguntam-se "o que é ser jovem" e "o que é envelhecer" e todos, em guerra uns com os outros, pedem ao sexo e ao amor-romântico que lhes devolvam o apetite de viver que o insensato mundo lhes roubou. Raramente pensam que o desmoronamento da vida privada é a contraface do esvaziamento da vida pública e que o primeiro não tem conserto, enquanto o segundo persistir torto. Na esfera pública, os sinais do rebaixamento da imagem do "próximo" saltam à vista: o povo tornou-se "massa de consumidores"; política, defesa corporativa de interesses privados e à medida em que informatizamos indústrias, comércios, finanças e cabeças, desempregamos milhões de pessoas, sem a menor hesitação moral. Fomos adiante. Substituímos a prática da reflexão ética pelo treinamento nos cálculos econômicos; brindamos alegremente o "enterro" das utopias socialistas; reduzimos virtude e excelência pessoais a sucesso midiático; transformamos nossas universidades em máquinas de produção padronizada de diplomas e teses; multiplicamos nossos "pátios dos milagres", esgotos a céu aberto, analfabetos, delinquentes, e, por fim, aderimos à lei do mercado com a volúpia de quem aperta a corda do próprio pescoço, na pressa de encurtar o inelutável fim. (Jurandir Freire Costa). Questões de análise e entendimento (tarefa). 1) Como você interpreta a seguinte afirmação do autor: “desaprendemos a gostar de gente”. 2) Você concorda ou não com o autor quando ele diz “relacionar-se intimamente com alguém tornou-se uma tarefa cansativa”? Por quê? 3) Colete para debate exemplos em suas relações familiares e de amizade que revelem a perda de esperança no próximo. 4) Pesquise com seus amigos e familiares, soluções criativas para resolver o problema do individualismo e do narcisismo na sociedade atual. Apresente-as no debate. 5) É possível ser feliz hoje? Comente:

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